terça-feira, 7 de julho de 2015

Boatos e “Boateiros”



Por: Ricardo Rosa
 
Cada notícia que chega, com um quê de inquietação se faz acompanhar. Assim se tornou o nosso quotidiano. Entre calmas e acalmias, chegam invadindo privacidades e expondo a falta de pudor social e cívica. A intensidade inicial não dá espaço a reflexões quanto mais a resumos. Dianti ki kaminhu1. Sintonia garantida. Tris biáss … bardadi pega2. Duram durante algum tempo e depois por falta verdade confirmada, acabam por desaparecer como começaram. Males causados? A quem interessa? Assim vão as nobas na nossa querida Guiné.

A permanente incerteza do dia seguinte criou um apetite caprichado na materialização constante de “teorias de (co)inspiração” que num ápice entram nas redes de comunicação popular sem pedir licença. Ainda vão mais longe, abrem noticiários e são sempre página de destaque no moderno caderno do povo. Difundem-se na velocidade e no perigo da semente de “Jack: O caçador de gigantes”. A preocupação se ajeita à espera que caia no esquecimento. O perigo fica. A confusão assim se constrói. E no mais íntimo do guineense, acredito, esta turbulenta situação de vivência o faça mal e, particularmente, não o tranquiliza. O que fazer? O que não fazer?

A liberdade de expressão tem vindo a foco nos últimos tempos mas com discursos contraditórios. Uns dizem serem perseguidos em função das nobas veiculadas e outros entendem que é a falta de seriedade e um quê de intencionalidade que leva a essa dita perseguição. Onde paira a verdade? Eis a questão! Certo é que os argumentos de cada um são sempre bem sustentados e, entendimento comum, o comum cidadão neste djunda djunda3 não se acha.

Certo é, este somatório das ditas liberdades de tudo se dizer sem qualquer tipo de responsabilização civil, política e até penal ou, simplesmente, o direito ao contraditório, tem provocado na sociedade guineense uma onda de intimidação à liberdade de expressão propriamente dita. E tem aniquilado a respeitabilidade sociopolítica que deve proteger o cidadão da autoridade do Estado.

Engraçado é que tudo começa no ouvi, li, vi, está aqui a prova, protegendo sagradamente a fonte e, espalhando-a como notícia do dia. Foi confirmada? Analisada? A fome de fazê-la sair é maior que a própria deontologia profissional ou ética cívica. Sabe que tem em mãos, um público faminto para essas nobas. Qual é o problema? 

Se é apenas uma questão de vontade. Mas ainda mais engraçado é que a própria verdadeira notícia mistura-se nesta caldeirada toda, perdendo o seu carácter essencial.
Guiné-Bissau é um país que proclamou a sua independência a 24 de Setembro de 1973 nas matas de Boé e este momento teve o seu eco, nacional e internacionalmente, graças ao poder diplomático então existente, na preocupação de dar uma informação verdadeira, relatando factos reais, longe de tendências colectivas ou individuais. Pois, a informação essencial comum era o nascimento de um novo estado independente. 

E, os nossos antigos combatentes, que nos gracejaram com a independência, tinham plena consciência do valor da informação verdadeira como factor de afirmação e de mobilização de recursos humanos e financeiros para a causa. Esta consciência facilitou na confiança, ou melhor, na empatia conquistada junto da comunidade nacional e internacional face à luta para a autodeterminação. 

Com isto queremos aqui evidenciar que a sociedade guineense teve consciência do poder da informação verdadeira porque sentiu o seu efeito desde a sua fase embrionária mas, hoje, declina-se em não ver as consequências de uma falsa informação e, dado à própria conjuntura do país, muitos são os que não têm sabido avaliar a pertinência ou não de uma determinada noba antes de torná-la pública ou publicitá-la. Tal facto é de lamentar.

Foi com alguma apreensão que li o editorial de um dos jornais nacionais da nossa praça sobre a forma de tirar a notícia. Confesso que fiquei surpreso quanto ao âmago da informação essencial porquanto ter compreendido a dificuldade apresentada em ser-se jornalista na Guiné-Bissau pelo editorialista. 

Numa das passagens podia-se ler «(...) Numa sociedade de boateiros, como a nossa, é difícil ser jornalista, porque às vezes não é fácil distinguir e elucidar as condições dos parâmetros de relevância social e de relevância mediática, e analisar o seu impacto sobre os processos de emancipação comunicacional na nossa sociedade civil. Porque o boato dizima, pura e simplesmente, a competência de noticiabilidade que permite um jornalista distinguir graus de relevância de uma informação para poder separar o que é boato ou não». Na verdade somos tão boateiros que os nossos jornalistas já perderam a competência profissional de fazer previsões sobre a recessão social de certas informações, porque todos os guineenses são boateiros e intrigueiros. 

Ou melhor todo cidadão guineense é dotado de uma competência de lançar boatos que lhe interessa e depois fica refém ou vítima do seu próprio boato que lançou. Essa nossa capacidade de atribuirmos um valor informacional de boatos que lançamos está relacionada com a necessidade permanente de cada um de nós em querer sobreviver satisfazendo as suas necessidades básicas com o poder informacional de boatos que lança na esfera pública nacional.”

É de todo preocupante os bastidores do (pseudo) jornalismo guineense enquanto sabermos que a sociedade tem sido a principal vítima desta inversão na manipulação da informação. E, sobretudo, quando efectivamente a sociedade começa a ser intoxicada com informações meramente tendenciosas e até maliciosas, com o ímpeto de fazer imperar interesses puramente individuais ou dentro de uma colectividade amplamente restritiva, porquanto que no jornalismo não deve haver nem previsões quanto mais apostas do género 1 x 2. Deve haver sim um relato sério e rigoroso de factos comprovados e não de boatos inventados ou induzidos.

A sociedade guineense efectivamente tem conhecido a liberdade de expressão nesta sua jovem caminhada democrática e, definitivamente, não necessita nem de boatos quanto mais de “boateiros” para se fazer confundir entre os múltiplos desafios que enfrenta. Contudo, e apesar da verdade que de vez em quando as consequências corrigem melhor que os conselhos, julgamos ser da responsabilidade colectiva travar esta forma de fazer sair qualquer que seja a notícia, particularmente entre aqueles que têm responsabilidade maior, os jornalistas.

Promovamos todos uma sociedade livre onde possamos viver com dignidade e responsabilidade para fazer valer o bem comum e para que o espírito subjacente à mensagem de Amílcar Cabral num dos seus discursos: «Nô fassi pa tené um vida diritu i di djustissa nundê ku kada fidju d`ess terra na sinti kuma el i livri di pudi avanssa pa dianti na tarbadju ... na kanserra ... ma livri di sêdu kil homi ô kil mindjer ki misti sêdu konformi si kapacidadi ...» Seja de facto o nosso grande desafio social.

1-   À frente é que é o caminho
2-   Três vezes ... torna-se verdade
3-    Medição de forças
4-   «Façamos para merecer uma vida digna e justa, onde cada filho desta terra se sinta livre de avançar, com trabalho, com suor, mas sempre livre de ser aquele homem ou mulher que quiser ser conforme a sua capacidade»

Ordidjanotando

Este texto foi escrito e publicado pelo meu compadre, amigo e fratelo Ricardo Rosa no jornal Gazeta de Notícias, no ano passado. Nada mais necessário do que uma releitura ou se for a primeira vez, boa leitura…